Perder alguém que amamos dói: um texto sobre meu avô

Meu avô foi a primeira pessoa que eu perdi e senti. Perdi minha avó, mas como eu era muito nova foi estranho e não senti tanto. Perdi minha prima, mas eu nunca vi o corpo, então acho que algo dentro de mim acredita que ela nunca se foi. E eu perdi meu avô. Meu avô…

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Meu avô foi a primeira pessoa que eu perdi e senti. Perdi minha avó, mas como eu era muito nova foi estranho e não senti tanto. Perdi minha prima, mas eu nunca vi o corpo, então acho que algo dentro de mim acredita que ela nunca se foi. E eu perdi meu avô.

Meu avô sempre foi o tipo de pessoa difícil de lidar, mas que em seus gestos mostrava o quanto amava cada um de nós. Ele me dava previsões do tempo certeiras, broncas quando eu saia a noite em dias frios, histórias que eu amava e uma presença incrivelmente forte.

Nos últimos dois anos dele, a gente sentia que a cada dia ele se distanciava mais do que ele costumava ser. As doenças foram se agravando e ele não tinha mais folego, literalmente, para fazer as coisas que ele sempre fez, tipo carpir a roça dele, caminhar, lavar roupa, descascar andu. Parece que não, mas essas pequenas coisas fazem nossa felicidade, e faziam a felicidade dele. Em 2015 ele foi várias vezes para o hospital e em todas elas nós achávamos que ele não iria voltar, mas ele era tão forte que sempre voltava.

Mas dava pra ver que tava difícil pra ele, tinha dias que ele não comia direito, que ele não levantava do sofá. Em outros, ele fazia brincadeiras de como seria bom se enforcar.

Eu sempre amei fotografar e ele era um dos meus melhores modelos e vendo os retratos dele, eu vi que aos poucos o brilho do olhar dele ia, e ia e ia.

Acho que não tem coisa mais difícil do que ver alguém indo aos poucos.

2 meses antes de ele ir, ele voltou para casa depois de um tempo no hospital. Nisso, eu simplesmente peguei a câmera e falei “preciso de uma foto com ele agora”. Talvez eu já soubesse o que estava por vir. 

Talvez eu soubesse, mas nunca quis acreditar. E mesmo não acreditando, mais uma vez ele foi pro hospital.. Começou com uma falta de ar, que foi para um agravante no pulmão, que foi pra uma infecção que o levou ao coma. Ir visitar ele foi uma das coisas mais difíceis da minha vida. A primeira vez que eu fui ele estava bem, eu aguentei, não chorei, conversei e contei tudo pra ele. As outras foram menos promissoras e a última, cara a última foi horrível.

Nessa horas ser ateu é uma bosta, porque você sabe que é ali que tudo acaba e você simplesmente não quer que tudo acabe dessa forma para alguém que você ama.

E na outro manhã o telefone toca e todos já sabem, e eu não chorei, foi uma sensação estranha. E essa sensação durou até a hora de ir no velório e quando eu cheguei lá, eu não consegui. A ficha caiu e meu mundo caiu junto. Até aquele momento eu tentei não acreditar que aquilo estivesse acontecendo, mas ver ele lá faria tudo ficar real e eu só não queria que fosse real.

Eu o vi, e nunca senti tanta dor da minha vida. Perder para sempre alguém que a gente ama dói, e dói muito.

Depois disso eu comecei a ter algumas crises, medos. Queria ter podido ajudar ele a reencontrar a família que um dia ele teve que deixar. Queria ter dado meu folego pra ele respirar de verdade pelo menos mais um dia. Queria ter feito algo, qualquer coisa para que ele pudesse ter sido novamente feliz.

Perder alguém é sempre assim? Porque se for, eu não sei se aguento mais uma vez.

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