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A SOLIDÃO DA ERA VIRTUAL

A internet deveria surgir como algo que teria a capacidade de diminuir a solidão constante no ser humano. Mas pelo contrário, ela exibe essa solidão para o mundo e auxilia na criação de laços ainda mais superficiais. Pessoas conversando sozinhas no twitter, batendo papo em sites com pessoas desconhecidas, criando relações que podem ser terminadas…

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A internet deveria surgir como algo que teria a capacidade de diminuir a solidão constante no ser humano. Mas pelo contrário, ela exibe essa solidão para o mundo e auxilia na criação de laços ainda mais superficiais. Pessoas conversando sozinhas no twitter, batendo papo em sites com pessoas desconhecidas, criando relações que podem ser terminadas com um clique.

Na era de Skype, Facebook, Twitter, a internet se mostra uma ferramenta onde amigos e relações podem ser feitos independentemente dos locais onde as pessoas vivem. Podemos encontrar pessoas parecidas com a gente que moram do outro lado do mundo, e nos tornarmos amigos delas. Mas o que parece é que acabamos nos distanciando dos que estão ao nosso redor, valorizando mais o contato tela-a-tela do que o face-a-face.

Mas será que isso está acabando com as relações ou apenas criando um novo tipo de relação que se adéqua a vida corrida das cidades grandes, onde não nos sobra tempo para sair e ver amigos pessoalmente?

Num mundo de enfraquecimento de relações ou o surgimento de um novo tipo, uma palavra, um sentimento, uma expressão, entra em destaque: a solidão. Segundo o dicionário Houais de 2004, Solidão é uma palavra feminina que tem por significado o “estado de quem está ou se sente só”.

Nenhum sujeito é apenas um ou outro, a famosa introdireção e alterdireção, onde o ser humano não se definiria totalmente pelo meio e nem totalmente por sua subjetividade, que David Riesman cita em seu livro “A multidão solitária”. Assim penso também sobre solidão, ninguém é totalmente solitário ou nunca sentiu a solidão, todos tem um pouco dos dois. A diferença reside no tempo de duração e na profundidade em que cada um sente isso.

Muitos afirmam que a solidão é algo dessa nova era, mas podemos dizer que não. Primeiramente ela surge com o individualismo. Na sociedade grega, de acordo com Aristóteles, o individualismo ainda não existia, porque o valor estaria no todo, na cidade.

São nas escola Holenístico-gregas, sob a forma de indivíduo extramundo, que essa conceito de individualismo surge. Ao renunciar os valores sociais, o indivíduo começa a pensar em si mesmo como ser único e sua vontade individual se torna a fonte de sua dignidade e sua integridade.

“O pensamento helenístico desloca o principio da realização do indivíduo do mundo ético-político grego para o ideal-extramundano, que acentua a individualidade do homem enquanto sujeito fora-do-mundo, enquanto individuo universal através da lei da natureza universal ou da razão.” (COSTA, 1997)

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E dessa forma, é no seio dessa sociedade holística que o cristianismo encontra espaço e leva o individuo para uma relação transcendental e pessoal. Assim, o cristianismo inaugura um individualismo de cunho transcendental universal, totalmente dissociado da realidade sociopolítica.

Com Santo Agostinho, esses conceitos se tornam ainda mais radicais: ele sugere um individualismo extramundo subjetivista, de cunho singular, ou seja, a liberdade do homem é experimentada primeiramente em sua relação consigo mesmo, para só depois o social ter importância. Para Santo Agostinho a liberdade individual seria um dom de Deus, e o principio dessa liberdade seria o livre-arbitrio.

Agora que entendemos melhor o surgimento do individualismo, podemos voltar a analisar mais sobre a solidão, continuando encontrando exemplos deles na arte, livros, filmes, etc. Lá em Madame Bovary, o clássico francês de Gustave Flaubert mostra a solidão em tempos mais remotos

“Para escapar à monotonia do casamento e da vida provinciana, a sonhadora Emma Bovary se perde em idealismos, amantes e dívidas. Ao narrar a decadência dessa mulher, e também da sociedade burguesa, Flaubert nos brinda com o romance moderno por excelência.” (SKOOB).

Madame Bovary mostra como seus laços são superficiais, como por exemplo em sua relação com seu filho. Também utiliza vários métodos para tentar suprir a solidão que a cerca, como ter vários amantes e fazendo compras até se endividar.  Mesmo estando sempre acompanhada, se sente só. E no final da vida morre sozinha, sem deixar marcas reais aos que viveram ao seu redor. solidao-na-era-virtual-amanda-teló (5)

“Para que qualquer sociedade possa funcionar bem, seus membros devem adquirir o tipo de caráter que faz com que eles queiram agir da forma como tem que agir, enquanto membros da sociedade ou de uma classe específica em seu seio. (..) A força externa é substituída pela compulsão interna e pelo tipo particular de energia humana que é canalizada para os traços de caráter”. (RIESMAN)

Isso lembra como a sociedade contemporânea molda seus indivíduos para aparentarem “auto-suficiência”.

Na modernidade, dizer que precisa de companhia é não ter amor próprio. Afinal, quem é feliz consigo não precisa do outro. E a pessoa se recusa a admitir que precisa de alguém, ela realmente quer parecer independente. Mas a solidão reside ali e ela tende, na modernidade, a ser cada vez mais camuflada e tampada com coisas supérfluas.

Em tempos de rede o ser humano quer transformar tudo em rede. Poder conectar e desconectar assim como ele faz com o computador. É inegável que a tecnologia mudou o ser humano, penso que a solidão sempre esteve aqui e agora ela é vista como algo bom, talvez uma escolha. Com o pensamento que temos das relações queremos poder controlá-las.

Relações são algo que limitam. Sem um parceiro o ser moderno fica aberto o tempo todo a coisas novas, a novidade da modernidade. Com um parceiro ele se limita. Mas no fundo o ser humano sabe que precisa do contato, mas reluta em admitir, afinal, ele quer parecer independente e feliz sozinho na geração da auto-suficiência. Mesmo que livros de auto-ajuda que ajudam a conquistar o amado ou coisas do tipo, se tornem sempre Best-sellers.

E cachorros e maníacos por cachorros também tendam a substituir relacionamentos reais por animais ‘adestráveis’…

Substituir a falta de contato adotando animais adestráveis, também é outra prática que ressalta essa solidão. Afinal, um gato ou cachorro suprem a carência por contato e não trazem os problemas que relacionamentos com pessoas tem.

Mas o ser humano quer essa agilidade da rede na vida real, não à toa a geração é em sua maioria de apenas “pegar sem se apegar”. Relacionamentos de uma noite ou uma hora mostram a independência. Homens e mulheres querem o prazer da companhia sem a prisão dos sacrifícios dos relacionamentos. Vivem a rede na vida real, relacionamentos totalmente descartáveis.

“Querem terminar relacionamentos na vida real com um clique, como podem terminar na internet”.

O consumismo do presente também se aplica nas relações. Vivemos em uma sociedade consumista, que é vitimada pelo capitalismo. Um dos temas dessa sociedade é a circulação, não o acumulo de bens. Assim funciona com as relações, o prazer está no algo novo.

“A vida consumista favorece a leveza e a velocidade. E também a novidade e a variedade que elas promovem e facilitam. É a rotatividade, não o volume de compras, que mede o sucesso na vida do homo consumens”. (Bauman)

O Drama do Peso e da leveza desenvolvido por Milan Kundera em seu livro lançado em 1984, “Nesnesitelná lehkost bytí” (em tradução brasileira, A Insustentável leveza do ser) também pode ser aplicado às relações.

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“O mais pesado dos fardos nos esmaga, nos faz dobrar sob ele, nos esmaga contra o chão. Na poesia amorosa de todos os séculos, porém, a mulher deseja receber o peso do corpo masculino. O fardo mais pesado é, portanto, ao mesmo tempo a imagem da mais intensa realização vital. Quanto mais pesado o fardo, mais próxima da terra está nossa vida, e mais ela é real e verdadeira. Por outro lado, a ausência total de fardo faz com que ele voe, se distancie da terra, do ser terrestre, faz com que ele se torne semi-real, que seus movimentos sejam tão livres quanto  insignificante.” (KUNDERA, A Insustentável leveza do ser)

A sociedade preferiu a leveza das relações superficiais e descartáveis. Mas esse tipo de relação não sustenta, com ela sempre a vida parece incompleta. Mas também fogem de relações pesadas, pois o peso esmaga, limita. E o drama do peso e da leveza se torna o drama do ser humano contemporâneo.

As pessoas possuem relacionamentos “frágeis, flexíveis e flutuantes”, pois não querem se ligar a outros, querem se sentir livres, para não perdem uma boa oportunidade de relacionar-se.

Relacionamentos são bênçãos ambíguas, como já dizia Bauman. “A hipótese de um relacionamento ‘indesejável, mas impossível de romper’ é o que torna o ‘relacionar-se’ a coisa mais traiçoeira que se possa imaginar” (BAUMAN).

A ideia do que há por vir será melhor do que o está acontecendo, é o que move as relações. Com cada experiência, se adquire mais conhecimento para fazer o próximo relacionamento ser ainda melhor. O ser humano que vive sempre em busca de algo perfeito, o lema de “sempre tentar mais uma vez”.

“E o fascínio da procura de uma rosa sem espinhos nunca está muito longe, e é sempre difícil de resistir” (BAUMAN).

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Parte da sociedade se diz diferente, diz que não se enquadra nessas relações frágeis. Na verdade elas se enquadram, porém tiveram sorte de encontrar o seu perfeito mais rápido que a maioria.

Porém, sorte de encontrar alguém que se enquadra em seus padrões para se relacionar, não o priva de ter momentos de solidão. Afinal, a solidão é um sentimento natural ao ser humano. O contato com alguém só faz essa solidão suportável, até algo esquecido em alguns momentos. Mas é só assistir a um bom filme que retrata o tema, ou escutar aquela música triste, que você ainda se identifica. A solidão continua ali, só que camuflada.

E ela entra em evidencia quando tuítamos, ou postamos selfies no facebook.

Pequenos sinais de que precisamos do contato, precisamos frequentemente de contato. Um livro, uma compra, algo que supra o vazio existencial quando o ser amado não está lá para o suprir.

Os relacionamentos que suprem o vazio são uma utopia da sociedade, e por mais que nos relacionamos, como foi o caso de Madame Bovary no romance de Flaubert, no final morremos sozinhos.

As possibilidades do mundo virtual também são ciladas para corações solitários e seres com o vazio existencial evidente. Mergulhamos na rede e passamos horas conversando com pessoas que só conhecemos por nickname, pessoas que podem ser apenas uma farsa, um ser montado. Mas como existe a possibilidade de se relacionar como seres “inventados”, também é possível para nós, nos escondemos por trás desses apelidos e seromos quem quisermos.

Lá, você não precisa mais ser a esposa devotada, ou o homem solteirão e solitário.

Lá existe a possibilidade de ser a “casada-carente” ou o “solteirão40”. Personalidades inventadas para um mundo líquido, onde relações líquidas ocorrem. Liquidas que naqueles instantes conseguem preencher o vazio.

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